“O lixo vai virar luxo”. Com esse objetivo, a Comunidade Católica Kairós (CCK) desenvolve, há mais de 5 anos, um trabalho pioneiro de recuperação de viciados em drogas e álcool. No total, são mais de mil pessoas atendidas dentro da vivência religiosa e da revenda e reaproveitamento do lixo no agreste de Pernambuco, especificamente no município de Taquaritinga do Norte.
A ideia surgiu de Carlos André, 30 anos, um jovem dependente do craque, que veio para a CCK com o intuito de se tratar do vício, trabalhava como encarregado de produção em uma emprega de reciclagem em Vitória de Santo Antão (PE). O fundador da comunidade, Jorge Gomes de Azevedo, 46, que também era dependente químico, viu na ação daquele homem a oportunidade de aglutinar um trabalho social, a fim de ser revertido para a construção da Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima, voltada para indigentes e viciados.
Com o projeto estipulado em R$ 7 milhões, o sonho de construir a unidade foi iniciado em junho de 2009 e encontra-se na fase de edificação dos alicerces, com recursos obtidos exclusivamente através da cadeia da reciclagem. Além de promover a sustentabilidade da CCK, o trabalho passou a ser visto como uma forma de terapia ocupacional por psicólogos voluntários que acompanham o tratamento dos internos. “O trabalho diminui os anseios pelo consumo no período de desintoxicação do organismo. Impedindo que se tornem vulneráveis ao vicio”, explicou o psicólogo Diogo Rogério.
Os resultados são comemorados pelo fundador do CCK: “Hoje, a reciclagem arrecada R$ 40 mil por mês, dos quais R$ 15 mil são revertidos para o pagamento parcelado dos caminhões e maquinário”, destaca Jorge Azevedo, acrescentando que mensalmente são investidos R$ 25 mil do apurado da venda dos resíduos para a construção da Casa de Saúde, que pode ser vista às margens da BR 104, na altura do quilômetro 22.
O projeto auto-sustentável dispõe de quatro caminhões que recolhem desde o lacre metálico até as sucatas de aparelhos eletrônicos. A coleta percorre todo o município de Taquaritinga do Norte e cidades vizinhas, como Vertentes, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama, Caruaru, Bom Jardim, Brejo da Madre de Deus e Riacho das Almas. As cidades paraibanas que fazem divisa como estado de Pernambuco, como Alcantil, Barra de Santana e Queimadas também participam da cadeia.
A Comunidade Kairós já conseguiu, por intermédio da coleta e revenda do lixo para reciclagem, um patrimônio estimado em R$ 2 milhões, adquirindo uma sede, uma fazenda em Chã Grande (PE) e o terreno para construção da Casa de Saúde, totalizando uma área de 520m² de espaço para o desenvolvimento de atividades.
Lixo transformando vidas
Após passar por todo o processo seletivo, o lixo recolhido é prensado em blocos e destinado aos compradores. Para a Paraíba é vendido o papelão e o material pet. O tecido poliéster e derivados têxteis são utilizados para a confecção de travesseiros dentro da comunidade. O material de informática é enviado para São Paulo e o restante do material é comercializado dentro do estado Pernambucano.
O galpão fica durante a semana lotado de resíduos, sendo comparado ao Poço de Jacó (referência à citação bíblica do apóstolo João). Ao percorrer o espaço, não é muito difícil encontrar histórias de pessoas que tiveram suas vidas transformadas na CCK. Como Cleumir Amésia, 28 anos, uma jovem ex-dependente do álcool que chegou à comunidade há mais de cinco anos. Após o término do tratamento, ela retornou para o convívio social com familiares e amigos em Santa Maria de Cambucá (PE), no entanto, percebeu que trabalhando a reciclagem suas chances seriam maiores de vencer o vício.
“Achei que deveria ajudar outras pessoas dependentes do vicio e a comunidade”, disse Cleumir Amésia, que tornou-se um membro interno da CCK. Recém-chegado à Kairós, Moacir Gustavo, 23, que declarou ter vivido muito tempo em poder das drogas e do álcool, conheceu o trabalho da comunidade e viu uma oportunidade única de mudar de vida. O jovem caruaruense, que está em tratamento, planeja retomar a sua vida profissional no setor comercial, o relacionamento e formar uma família. “Quero sair daqui recuperado para poder recomeçar com dignidade a minha vida” disse Moacir.
Ao perceber “na face do dependente a face do Cristo”, a obra Kairós (que pode ser acessada pelo site www.tempodegraca.com.br), acolhe todo aquele que queria abdicar de seus vícios e, assim com o lixo, deixar-se reciclar a fim de tornar-se novo. O fundador da comunidade planeja formar uma grande empresa de reciclagem e fazer com que mais pessoas integrem esse grupo em defesa da vida humana e do meio ambiente. “Não há nada perdido. Assim como os resíduos sólidos que são jogados e depois reaproveitados. As pessoas também podem ser recicladas para uma vida nova”, declarou Jorge.
Antonio Carlos de Andrade Silva
Graduando de Jornalismo
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